sexta-feira, 9 de setembro de 2016

Carta aos diocesanos de Lisboa, no início do novo ano pastoral 2016/2017

"Como há dois mil anos começou o Reino

1. Em Setembro, a vida retoma o seu curso geral, após o chamado “tempo de férias”. Das famílias às escolas, das empresas à sociedade, recuperam-se os ritmos habituais. Também assim nas nossas comunidades, da catequese à liturgia e à acção sociocaritativa. Desejo a todos as maiores felicidades, aos que continuam nos mesmos lugares e serviços e aos que assumem novos encargos, paroquiais e outros.
Tudo isto é um bem, na cadência certa da vida que prossegue. Mas, para quem está no mundo como tantos mais, convém perguntar o porquê da vida eclesial, do que ela significa realmente para os discípulos de Cristo. Não bastaria retomarmos o habitual, mesmo que positivo, como os dias que sucedem às noites, ou a roda das estações do ano.Sim, partilhamos com todos os seres humanos o modo comum de ser e conviver, como o Criador nos sustenta, com deveres e direitos a irmanar-nos e responsabilizar-nos. Mas havemos de o fazer como cristãos, isto é, participantes do Espírito de Cristo e alargando o seu Reino. Permiti-me insistir neste ponto identitário, que julgo particularmente oportuno.Estamos no ano 2016 da era de Cristo, vivendo o que com Ele começou e só com Ele pode progredir. E sempre à sua maneira, tão diferente de qualquer projeto temporal que se impusesse exteriormente ou estabelecesse à força. É natural e positivo que, como cidadãos entre cidadãos, integremos projetos de melhoramento social e procuremos modos de o conseguir sempre mais e melhor, dentro aliás dum legítimo pluralismo de perspetivas e opções. Mas é sobrenatural e necessário que, seguindo a atitude de Jesus Cristo, abramos sempre o ocasional ao definitivo, o princípio ao fim e o tempo à eternidade. Não nos alheamos da realidade, damos-lhe a sua verdadeira dimensão.
Neste sentido, pode dizer-se que o nosso programa essencial está feito há dois milénios. Para leigos, consagrados e clérigos, trata-se de, pela palavra e pelo testemunho, partilhar com cada pessoa e em cada momento a possibilidade propriamente “cristã” de viver. Quando nasce, cresce e morre, que seja com Cristo; quando goze de saúde, a perca ou a recupere, que seja com Cristo também; e o mesmo quando ria ou quando chore, quando trabalhe ou descanse, quando estude e descubra, quando reze e contemple.
Por isso acompanhamos os outros da conceção ao nascimento, do nascimento à maturidade, à velhice, às exéquias e ainda depois. Tal como Cristo o fez, nascendo, vivendo, morrendo e ressuscitando, para assim continuar, através do corpo eclesial que connosco forma, a acompanhar a vida dos outros, abrindo-a em cada etapa à própria vida de Deus. 
Por isso é Pastor, para nos conduzir a pastagens que não secam nunca (cf Sl 23). Por isso há “pastoral” propriamente dita – essa mesma, essencial e constante, na cidade ou no campo, na escola, no hospital ou na prisão, seja onde for, seja para quem for. No ano pastoral que iniciamos, como quando tudo recomeçou há dois milénios, para dar sentido e pleno cumprimento a toda a vida e à vida de todos. Mais do que viver para um futuro possível, o cristão preenche cada momento com a certeza das coisas finais, como Cristo as alcançou e oferece.
(...)"

Convosco, irmão e amigo,

+ Manuel, Cardeal-Patriarca
Lisboa, 1 de setembro de 2016