«Que fizeste do teu irmão?»
Nota da Comissão Nacional Justiça e Paz sobre o acolhimento de refugiados.
1. Somos hoje confrontados com o mais grave êxodo de refugiados na Europa desde os
tempos da 2ª Guerra Mundial. De um modo geral, estas pessoas são vítimas da guerra, da
opressão ou da miséria extrema. O desespero e a vontade de salvar as suas vidas e de assegurar
um futuro para as suas famílias levou-as a efectuar viagens em condições desumanas, muitas
vezes à mercê de associações criminosas. Não são potenciais terroristas; pelo contrário, muitas
delas fogem da violência gerada pelo fundamentalismo.
Quando estas pessoas nos batem à porta, não podemos reagir com indiferença. São
nossos irmãos e irmãs, membros da única família humana, que reclamam a nossa ajuda.
Como já por muitos foi afirmado, trata-se de um desafio à Europa como comunidade de
valores: os das suas raízes cristãs, que encontram reflexo no respeito pela dignidade da pessoa
humana e seus direitos fundamentais. As palavras da Bíblia, palavra de Deus e código da cultura
europeia, vêm a propósito: «Que fizeste do teu irmão?» (Gen 4,9); «Sempre que fizeste isto a
um destes meus irmãos mais pequeninos, a Mim mesmo o fizeste» (Mt 25, 40).
2. Ser fiel às raízes cristãs da cultura europeia não pode reduzir-se a uma proclamação
formal, ou à conservação de sinais externos. É, acima de tudo, adoptar comportamentos coerentes
com a mensagem cristã. Não há essa coerência quando se recusa o acolhimento de refugiados
por estes não partilharem a fé cristã. A defesa da identidade europeia não pode servir de pretexto
para distinguir entre refugiados cristãos perseguidos por causa da sua fé (como são, na verdade,
alguns deles) e outros refugiados. A novidade do cristianismo reside no amor universal, que
não faz acepção de pessoas, que não se limita aos círculos da família, do clã, dos amigos ou da
nação.
3. É verdade que também entre nós há quem passe por dificuldades e situações graves
de pobreza. Mas as situações de onde fogem estes refugiados, que os fazem assumir os riscos
que assumem, são, de um modo geral, muito mais graves do que aquelas com que nos
deparamos em Portugal.
Não pode, por isso, contrapor-se a solidariedade para com estes refugiados à
solidariedade que continua a ser devida aos portugueses que sofrem: uma não exclui a outra.
4. A Europa não pode pretender ser um oásis de paz e prosperidade, protegido por
fronteiras ou muros, num mundo onde prevalece a guerra e a pobreza. No mundo globalizado de hoje, o que acontece no Médio Oriente em África ou noutras zonas do globo tem sempre
repercussão na Europa, e este êxodo de refugiados comprova-o.
Por isso, o imperativo do acolhimento destes refugiados responde a uma situação de
emergência, que não pode levar-nos a esquecer a importância de atacar na raiz os problemas
que estão na origem deste êxodo; guerras, violações de direitos humanos, miséria extrema.
De modo especial e de imediato, há que buscar incessantemente o fim das guerras de
onde fogem estes refugiados: na Síria, no Iraque, na Líbia ou no Sudão. Para tal, há que, antes
de tudo, mobilizar todos os esforços diplomáticos da comunidade internacional e pôr termo ao
fornecimento de armas que alimenta tais guerras.
Não podemos ignorar os apelos de representantes das Igrejas presentes na Síria e no
Iraque, preocupados com o fim da presença secular dos cristãos nesses países. A solução
definitiva não passa, pois, pela fuga contínua.
5. Este drama dos refugiados tem suscitado em muitos países europeus um movimento
espontâneo de solidariedade que envolve pessoas de diferentes convicções. Está a vir ao de
cima uma generosidade que parecia escondida nas nossas sociedades marcadas pelo egoísmo e
onde se temem os perigos do recrudescer do racismo e da xenofobia.
Os católicos são interpelados pelos apelos vibrantes do Papa Francisco: que cada
paróquia acolha, pelo menos, uma família de refugiados.
Já noutros períodos da sua história, o povo português deu provas de generosidade no
acolhimento de refugiados.
Entre nós, foi constituída a Plataforma de Apoio aos Refugiados (www.refugiados.pt).
A Comissão Nacional Justiça e Paz aderiu a esta plataforma e apela a que todos com ela
colaborem.
É importante que este espírito cresça cada vez mais, para além das emoções do
momento, no âmbito de uma educação para a cidadania solidária, e se mantenha vivo mesmo
diante das dificuldades que o acolhimento destes refugiados possa vir a trazer no futuro.
Lisboa, 14 de Setembro de 2015